A pipoca
Rubem Alves
A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.
Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.
Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento. As comidas, para mim, são entidades oníricas.
Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.
A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.
A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.
Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.
Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé... A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.
Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.
Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.
Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.
Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro. "Morre e transforma-te! Dizia Goethe.
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.
Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.
Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.
Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.
Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á".A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.
Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...
"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".
O texto acima foi extraído do jornal "Correio Popular", de Campinas (SP), onde o escritor mantém coluna bissemanal.
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
GANHEI CORAGEM- RUBEM ALVES
GANHEI CORAGEM
(UMA REFLEXÃO CORAJOSA)
"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente
tem coragem para aquilo que ele realmente conhece",
observou Nietzsche. É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
"O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio;
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras idéias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos. E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces; a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.
O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.
Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.
O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,
de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos
e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",
à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.
Rubem Alves
(UMA REFLEXÃO CORAJOSA)
"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente
tem coragem para aquilo que ele realmente conhece",
observou Nietzsche. É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
"O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio;
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras idéias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos. E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces; a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.
O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.
Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.
O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,
de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos
e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",
à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.
Rubem Alves
SHOW DA LÍNGUA PORTUGUESA- PARA SE LIGAR!!!
SHOW DA LÍNGUA PORTUGUESA!
Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta. Escreveu assim:
Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres. ' Morreu antes de fazer a pontuação. A quem deixava a fortuna? Eram quatro concorrentes.
1) O sobrinho fez a seguinte pontuação: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
2) A irmã chegou em seguida. Pontuou assim o escrito: Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
3) O padeiro pediu cópia do original. Puxou a brasa pra sardinha dele: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
4) Aí, chegaram os descamisados da cidade. Um deles, sabido, fez esta interpretação: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.
Moral da história:
A vida pode ser interpretada e vivida de diversas maneiras. Nós é que fazemos sua pontuação.
E isso faz toda a diferença...
Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta. Escreveu assim:
Deixo meus bens a minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres. ' Morreu antes de fazer a pontuação. A quem deixava a fortuna? Eram quatro concorrentes.
1) O sobrinho fez a seguinte pontuação: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
2) A irmã chegou em seguida. Pontuou assim o escrito: Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
3) O padeiro pediu cópia do original. Puxou a brasa pra sardinha dele: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.
4) Aí, chegaram os descamisados da cidade. Um deles, sabido, fez esta interpretação: Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.
Moral da história:
A vida pode ser interpretada e vivida de diversas maneiras. Nós é que fazemos sua pontuação.
E isso faz toda a diferença...
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
CONHECIMENTO DE SI MESMO
Conhecimento de si Mesmo
Sérgio Biagi Gregório
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é dar ênfase à tomada de consciência de nossas potencialidades e de nossos limites, no sentido de fazermos uma avaliação mais serena e mais tranqüila de nós mesmos. Os tópicos a serem abordados são: conceito de conhecimento, Sócrates e o Conhece-te a ti mesmo, Senso Crítico e Como Conhecer-se.
2. CONCEITO
Conhecimento. 1. Ato ou efeito de conhecer. 2. idéia, noção. 3. Informação, notícia, ciência. 4. Filos. No sentido mais amplo, atributo geral que têm os seres vivos de reagir ativamente ao mundo circundante, na medida da sua organização biológica e no sentido da sua sobrevivência 5. Filos. Apropriação do objeto pelo pensamento, como quer que se conceba essa apropriação: como definição, como percepção clara, apreensão completa, análise etc. (Dicionário Aurélio)
Conhecimento de si mesmo. [Nosce te ipsum]. Conceito que se encontra inscrito no pórtico do Santuário de Delfos, em grego: "Gnôthi seauton" e que significa: "Conhece-te a ti próprio", estrutura moral da filosofia de Sócrates, na sua escola maiêutica. (Equipe da FEB, 1995).
3. FILOSOFIA E HISTÓRIA DA FILOSOFIA
Enquanto a Ciência tenta explicar como se dão os fatos, construindo a partir de um objeto e do saber que num momento se possui acerca dele, medindo-os, comparando-os e classificando-os, a Filosofia, que trata dela mesma, quer saber porque se deram desta forma e não de outra. Assim, para que possamos penetrar no "conhece-te a ti mesmo" de Sócrates, temos de colocá-lo dentro de um contexto geral, pois a Filosofia parte de coisas já conhecidas, e segue pelas descobertas de outros filósofos como que acrescentando algo ao já existente.
Os pensadores que precederam Sócrates queriam descobrir o princípio das coisas. Este princípio é expresso, para cada um deles, nos seguintes termos: para Tales de Mileto, o princípio de tudo era a água; para Anaximandro, o infinito, o ilimitado; para Anaxímenes, o ar, o fogo, as nuvens e a rocha; para Pitágoras, o número; para Parmênides, o ente, o ser; para Heráclito, o ser dinâmico; para Empédocles, o ar, o fogo, a terra e a água; para Anaxágoras, tudo em todas as coisas; para Demócrito, o átomo – última divisão do ser.
Sócrates, por seu turno, faz o indivíduo voltar-se para si mesmo, a fim de conhecer-se melhor.
4. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO
4.1. PENSAMENTO E VERDADE
Conhecer é reproduzir em nosso pensamento a realidade. Damos o nome de conhecimento à posse deste pensamento que concorda com a realidade. À concordância do pensamento com a realidade chamamos verdade.
Que é pensar bem? André Maurois, em A Arte de Viver, diz-nos que é chegar a fazer, de nosso pequeno modelo interior de mundo, uma imagem tão exata quanto somos capazes, do grande mundo real.
Que é verdade? Pauli, em Que é pensar, entende por verdade, no mais amplo sentido, a autenticidade que o conhecimento deve oferecer. Os dados são verdadeiros se são o que anunciam. Se os dados, na hipótese do psicologismo, se comportam como dados puros, a autenticidade se encontra nesta pureza. Se os dados, na hipótese do intencionalismo, anunciam objetos, a autenticidade se encontra em efetivamente noticiá-los, não dizendo que noticiam (quando de fato não noticiam e enganam), nem dizendo que noticiam tal espécie de objetos (quando de fato noticiam outra espécie). (1964, p. 88 e 89)
4.2. ESTOQUE DE CONHECIMENTO
O conhecimento acumulado pela humanidade está registrado nos arquivos das bibliotecas espalhadas pelo mundo inteiro. Ele compõe-se de livros, revistas, jornais, periódicos etc. A invenção da imprensa por Johann Guttenberg (1398-1468) é responsável por esse fato, pois a nova técnica de produção literária propiciou a veiculação de uma grande quantidade de conhecimentos que até então estava adormecida. É que os trabalhos dos grandes pensadores, podendo ser duplicados com mais facilidade, aumentou sobremaneira o número de obras à disposição da população.
4.3. AQUISIÇÃO, RETENÇÃO E UTILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
O conhecimento pode ser adquirido de forma empírica, vulgar, intelectual, científica e intuitiva. Porém, a freqüência em cursos, a pesquisa em livros e os diversos tipos de conversações fazem-nos penetrar objetivamente no estoque de conhecimento acumulado pela humanidade. Além do mais, a associação de idéias que dessas pesquisas advém, aumenta ainda mais esse estoque.
A retenção do conhecimento envolve não só o interesse acerca de um assunto como também a apreensão de técnicas de memorização das informações. Lembremo-nos de que nem sempre uma boa memória é sinal de grande inteligência. É o caso do médico, de excelente memória, que tinha dificuldade em prescrever uma receita médica.
A utilização do conhecimento deve ser sempre para o bem, procurando-se não colocar a candeia debaixo do alqueire. (Lessa, 1960, p. 240 a 246)
5. DA MAIÊUTICA SOCRÁTICA AOS AUTOMATISMOS DA VIDA PRESENTE.
5.1. MAIÊUTICA
Como vimos anteriormente, os ensinamentos e reflexões dos primeiros filósofos se voltaram para os problemas do ser, do movimento e da substância primordial do mundo, a "physis", procurando dar-lhes uma explicação racional. Entre tais mestres, situamos Heráclito, Pitágoras e Demócrito. Sócrates, dizia ser boa, mas queria apresentar algo mais substancioso, ou seja: o homem deveria voltar para si mesmo.
Conhece-te a ti próprio é o dístico colocado no frontispício do oráculo de Delfos. Após a visita de Sócrates a este templo, emanam-se dois diálogos, que podem ser encontrados em: Platão (Alcibíades, 128d-129) e Xenofontes (Memoráveis, IV, II, 26).
Sócrates procura o conceito. Este é alcançado através de perguntas. As perguntas têm um duplo caráter: ironia e maiêutica. Na ironia, confunde o conhecimento sensível e dogmático. Na maiêutica, dá à luz um novo conhecimento, um aprofundamento, sem, contudo, chegar ao conhecimento absoluto.
5.2. REFLEXÃO
É uma volta sobre si mesmo. A reflexão seria mais perfeita se fosse somente sobre o próprio pensamento, sem a intervenção dos sentidos; mas, como o pensamento e os sentidos são inseparáveis, de qualquer forma é uma reflexão.
A reflexão faz-nos comparar e raciocinar, a fim de chegarmos a um acordo com a nossa própria consciência. (Pauli, 1964, p. 88)
5.3. HERANÇA E AUTOMATISMO
O princípio inteligente estagiando no reino mineral adquiriu a atração; no reino vegetal, a sensação; no reino animal, o instinto; no reino hominal, o livre-arbítrio, o pensamento contínuo e a razão. Hoje, somos o resultado de toda essa herança cultural.
Nosso passado histórico propiciou-nos a automatização de hábitos e atitudes. É nossa herança, que começa desde o reino mineral. Há hábitos positivos e negativos. Os positivos devem ser incrementados; os negativos, extirpados. A função da reforma íntima, no seu sentido amplo, é melhorar o reflexo condicionado, arquitetado pelo nosso Espírito.
A lei do progresso exige que o princípio inteligente vá-se despojando dos liames da matéria. Para que tenhamos um olhar crítico, devemos libertar-nos da obscuridade da matéria, consubstanciada no egoísmo, no orgulho e no interesse próprio. (Xavier, 1977, p. 39)
5. COMO CONHECER-SE
De acordo com Peres, no capítulo I do seu Manual Prático do Espírita, podemos nos conhecer:
6.1. PELA DOR
a dor é teleológica e leva consigo um destino. Por ela podemos saber o que fomos e, também, o que tencionamos ser. Ela é sempre positiva; no sofrimento, estamos purgando algo ou preparando-nos para o futuro.
6.2. CONVÍVIO COM O PRÓXIMO
Podemos avaliar-nos, observando as reações dos outros com relação às nossas atitudes.
6.3. AUTO-ANÁLISE
A auto-análise fundamenta-se numa cosmovisão transcendental da vida. A compreensão integral do homem se apoia em três esteios fundamentais: filosófico: paz com a verdade; o psicológico: paz consigo mesmo; religioso: paz com o ser transcendental.
São técnicas que permitem o homem chegar a autenticidade de sua doença, não de tirar o homem da doença.
As questões 919 e 919A de O Livro dos Espíritos auxiliam-nos a praticá-la. Santo Agostinho sugere que todas as noites devíamos revisar o dia para ver como fomos em pensamentos, palavras e atos.
7. CONCLUSÃO
Embora haja dificuldade de conhecermos a nós mesmos, uma avaliação serena de nossa dor e do nosso relacionamento com o próximo pode oferecer-nos uma luz no fim do túnel. Além do mais, tomando consciência de nossa ignorância, estaremos alicerçados para detectar a nossa verdadeira capacidade.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [s. d. p.] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972. LESSA, G. Em Busca de Claridade. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1960. PAULI, E. Que é Pensar (Teoria Fundamental do Conhecimento). Florianópolis, Ed. Biblioteca Superior de Cultura, 1964. PERES, N. P. Manual Prático do Espírita. São Paulo, Pensamento, 1984. SAUVAGE, M. Sócrates e a Consciência do Homem. São Paulo, Agir, 1959. XAVIER, F. C. e VIEIRA, W. Evolução em Dois Mundos, pelo Espírito André Luiz, 4. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.
São Paulo, 10/07/1988
Diálogo sobre o Conhece-te a Ti Mesmo
I
Sócrates — agora, qual será a arte pela qual poderíamos nos preocupar conosco?
Alcibíades — Isto eu ignoro.
Sócrates — Em todo o caso, estamos de acordo num ponto: não é pela arte que nos permita melhorar algo do que nos pertence, mas pela que faculte uma melhoria de nós mesmos.
Alcibíades — Tens razão.
Sócrates — Por outro lado, acaso poderíamos reconhecer a arte que aperfeiçoa os calçados, se não soubéssemos em que consiste um calçado?
Alcibíades — Impossível.
Sócrates — Ou que arte melhora os anéis, se não soubéssemos o que é um anel?
Alcibíades — Não, isto não é possível.
Sócrates — Entretanto, será fácil conhecer-se a si mesmo? E teria sido um homem ordinário aquele que colocou este preceito no templo de Pytho? Ou trata-se, pelo contrário, de uma tarefa ingrata que não está ao alcance de todos?
Alcibíades — Quanto a mim, Sócrates, julguei muitas vezes que estivesse ao alcance de todos, mas algumas vezes também que ela é muito difícil.
Sócrates — Que seja fácil ou não, Alcibíades, estamos sempre em presença do fato seguinte: somente conhecendo-nos é que podemos conhecer a maneira de nos preocupar conosco; sem isto, não o podemos.
Alcibíades — É muito justo.
Platão, Alcibíades, 128d-129
II
— Dize-me Eutidemo, estivestes alguma vez em Delfos?
— Duas vezes, por Zeus!
— Viste, então, a inscrição gravada no templo: conhece-te a ti mesmo?
— Sim, certamente.
— Esta inscrição não te despertou nenhum interesse, ou, ao contrário, notaste-a e procuraste examinar quem tu és?
— Não, por Zeus! Dado que julgava sabê-lo perfeitamente: pois teria sido difícil para eu aprender outra coisa caso me ignorasse a mim mesmo.
— Então pensas que para conhecer quem somos, basta sabermos o nosso nome, ou que, à maneira dos compradores de cavalo que não crêem conhecer o animal que querem comprar antes de haver examinado se é obediente, teimoso...
— Parece-me, de acordo com o que acabas de dizer-me, que não conhecer o próprio valor equivale a se ignorar a si mesmo.
— Os que se conhecem sabem o que lhes é útil e distinguem o que podem fazer daquilo que não podem: ora, fazendo aquilo de que são capazes, adquirem o necessário e vivem felizes; abstendo-se daquilo que está acima de suas forças não cometem faltas e evitam o mau êxito; enfim, como são mais capazes de julgar os outros homens, podem, graças ao partido que daí tiram, conquistar grandes bens e livrar-se de grandes males... Contrariamente, caem nas desgraças.
Xenofonte, Memoráveis, IV, II, 26.
Fonte: SAUVAGE, M. Sócrates e a Consciência do Homem. São Paulo, Agir, 1959.
Fonte: http://www.ceismael.com.br/filosofia/filosofia016.htm
Sérgio Biagi Gregório
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é dar ênfase à tomada de consciência de nossas potencialidades e de nossos limites, no sentido de fazermos uma avaliação mais serena e mais tranqüila de nós mesmos. Os tópicos a serem abordados são: conceito de conhecimento, Sócrates e o Conhece-te a ti mesmo, Senso Crítico e Como Conhecer-se.
2. CONCEITO
Conhecimento. 1. Ato ou efeito de conhecer. 2. idéia, noção. 3. Informação, notícia, ciência. 4. Filos. No sentido mais amplo, atributo geral que têm os seres vivos de reagir ativamente ao mundo circundante, na medida da sua organização biológica e no sentido da sua sobrevivência 5. Filos. Apropriação do objeto pelo pensamento, como quer que se conceba essa apropriação: como definição, como percepção clara, apreensão completa, análise etc. (Dicionário Aurélio)
Conhecimento de si mesmo. [Nosce te ipsum]. Conceito que se encontra inscrito no pórtico do Santuário de Delfos, em grego: "Gnôthi seauton" e que significa: "Conhece-te a ti próprio", estrutura moral da filosofia de Sócrates, na sua escola maiêutica. (Equipe da FEB, 1995).
3. FILOSOFIA E HISTÓRIA DA FILOSOFIA
Enquanto a Ciência tenta explicar como se dão os fatos, construindo a partir de um objeto e do saber que num momento se possui acerca dele, medindo-os, comparando-os e classificando-os, a Filosofia, que trata dela mesma, quer saber porque se deram desta forma e não de outra. Assim, para que possamos penetrar no "conhece-te a ti mesmo" de Sócrates, temos de colocá-lo dentro de um contexto geral, pois a Filosofia parte de coisas já conhecidas, e segue pelas descobertas de outros filósofos como que acrescentando algo ao já existente.
Os pensadores que precederam Sócrates queriam descobrir o princípio das coisas. Este princípio é expresso, para cada um deles, nos seguintes termos: para Tales de Mileto, o princípio de tudo era a água; para Anaximandro, o infinito, o ilimitado; para Anaxímenes, o ar, o fogo, as nuvens e a rocha; para Pitágoras, o número; para Parmênides, o ente, o ser; para Heráclito, o ser dinâmico; para Empédocles, o ar, o fogo, a terra e a água; para Anaxágoras, tudo em todas as coisas; para Demócrito, o átomo – última divisão do ser.
Sócrates, por seu turno, faz o indivíduo voltar-se para si mesmo, a fim de conhecer-se melhor.
4. O PROBLEMA DO CONHECIMENTO
4.1. PENSAMENTO E VERDADE
Conhecer é reproduzir em nosso pensamento a realidade. Damos o nome de conhecimento à posse deste pensamento que concorda com a realidade. À concordância do pensamento com a realidade chamamos verdade.
Que é pensar bem? André Maurois, em A Arte de Viver, diz-nos que é chegar a fazer, de nosso pequeno modelo interior de mundo, uma imagem tão exata quanto somos capazes, do grande mundo real.
Que é verdade? Pauli, em Que é pensar, entende por verdade, no mais amplo sentido, a autenticidade que o conhecimento deve oferecer. Os dados são verdadeiros se são o que anunciam. Se os dados, na hipótese do psicologismo, se comportam como dados puros, a autenticidade se encontra nesta pureza. Se os dados, na hipótese do intencionalismo, anunciam objetos, a autenticidade se encontra em efetivamente noticiá-los, não dizendo que noticiam (quando de fato não noticiam e enganam), nem dizendo que noticiam tal espécie de objetos (quando de fato noticiam outra espécie). (1964, p. 88 e 89)
4.2. ESTOQUE DE CONHECIMENTO
O conhecimento acumulado pela humanidade está registrado nos arquivos das bibliotecas espalhadas pelo mundo inteiro. Ele compõe-se de livros, revistas, jornais, periódicos etc. A invenção da imprensa por Johann Guttenberg (1398-1468) é responsável por esse fato, pois a nova técnica de produção literária propiciou a veiculação de uma grande quantidade de conhecimentos que até então estava adormecida. É que os trabalhos dos grandes pensadores, podendo ser duplicados com mais facilidade, aumentou sobremaneira o número de obras à disposição da população.
4.3. AQUISIÇÃO, RETENÇÃO E UTILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
O conhecimento pode ser adquirido de forma empírica, vulgar, intelectual, científica e intuitiva. Porém, a freqüência em cursos, a pesquisa em livros e os diversos tipos de conversações fazem-nos penetrar objetivamente no estoque de conhecimento acumulado pela humanidade. Além do mais, a associação de idéias que dessas pesquisas advém, aumenta ainda mais esse estoque.
A retenção do conhecimento envolve não só o interesse acerca de um assunto como também a apreensão de técnicas de memorização das informações. Lembremo-nos de que nem sempre uma boa memória é sinal de grande inteligência. É o caso do médico, de excelente memória, que tinha dificuldade em prescrever uma receita médica.
A utilização do conhecimento deve ser sempre para o bem, procurando-se não colocar a candeia debaixo do alqueire. (Lessa, 1960, p. 240 a 246)
5. DA MAIÊUTICA SOCRÁTICA AOS AUTOMATISMOS DA VIDA PRESENTE.
5.1. MAIÊUTICA
Como vimos anteriormente, os ensinamentos e reflexões dos primeiros filósofos se voltaram para os problemas do ser, do movimento e da substância primordial do mundo, a "physis", procurando dar-lhes uma explicação racional. Entre tais mestres, situamos Heráclito, Pitágoras e Demócrito. Sócrates, dizia ser boa, mas queria apresentar algo mais substancioso, ou seja: o homem deveria voltar para si mesmo.
Conhece-te a ti próprio é o dístico colocado no frontispício do oráculo de Delfos. Após a visita de Sócrates a este templo, emanam-se dois diálogos, que podem ser encontrados em: Platão (Alcibíades, 128d-129) e Xenofontes (Memoráveis, IV, II, 26).
Sócrates procura o conceito. Este é alcançado através de perguntas. As perguntas têm um duplo caráter: ironia e maiêutica. Na ironia, confunde o conhecimento sensível e dogmático. Na maiêutica, dá à luz um novo conhecimento, um aprofundamento, sem, contudo, chegar ao conhecimento absoluto.
5.2. REFLEXÃO
É uma volta sobre si mesmo. A reflexão seria mais perfeita se fosse somente sobre o próprio pensamento, sem a intervenção dos sentidos; mas, como o pensamento e os sentidos são inseparáveis, de qualquer forma é uma reflexão.
A reflexão faz-nos comparar e raciocinar, a fim de chegarmos a um acordo com a nossa própria consciência. (Pauli, 1964, p. 88)
5.3. HERANÇA E AUTOMATISMO
O princípio inteligente estagiando no reino mineral adquiriu a atração; no reino vegetal, a sensação; no reino animal, o instinto; no reino hominal, o livre-arbítrio, o pensamento contínuo e a razão. Hoje, somos o resultado de toda essa herança cultural.
Nosso passado histórico propiciou-nos a automatização de hábitos e atitudes. É nossa herança, que começa desde o reino mineral. Há hábitos positivos e negativos. Os positivos devem ser incrementados; os negativos, extirpados. A função da reforma íntima, no seu sentido amplo, é melhorar o reflexo condicionado, arquitetado pelo nosso Espírito.
A lei do progresso exige que o princípio inteligente vá-se despojando dos liames da matéria. Para que tenhamos um olhar crítico, devemos libertar-nos da obscuridade da matéria, consubstanciada no egoísmo, no orgulho e no interesse próprio. (Xavier, 1977, p. 39)
5. COMO CONHECER-SE
De acordo com Peres, no capítulo I do seu Manual Prático do Espírita, podemos nos conhecer:
6.1. PELA DOR
a dor é teleológica e leva consigo um destino. Por ela podemos saber o que fomos e, também, o que tencionamos ser. Ela é sempre positiva; no sofrimento, estamos purgando algo ou preparando-nos para o futuro.
6.2. CONVÍVIO COM O PRÓXIMO
Podemos avaliar-nos, observando as reações dos outros com relação às nossas atitudes.
6.3. AUTO-ANÁLISE
A auto-análise fundamenta-se numa cosmovisão transcendental da vida. A compreensão integral do homem se apoia em três esteios fundamentais: filosófico: paz com a verdade; o psicológico: paz consigo mesmo; religioso: paz com o ser transcendental.
São técnicas que permitem o homem chegar a autenticidade de sua doença, não de tirar o homem da doença.
As questões 919 e 919A de O Livro dos Espíritos auxiliam-nos a praticá-la. Santo Agostinho sugere que todas as noites devíamos revisar o dia para ver como fomos em pensamentos, palavras e atos.
7. CONCLUSÃO
Embora haja dificuldade de conhecermos a nós mesmos, uma avaliação serena de nossa dor e do nosso relacionamento com o próximo pode oferecer-nos uma luz no fim do túnel. Além do mais, tomando consciência de nossa ignorância, estaremos alicerçados para detectar a nossa verdadeira capacidade.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
EQUIPE DA FEB. O Espiritismo de A a Z. Rio de Janeiro: FEB, 1995. FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [s. d. p.] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972. LESSA, G. Em Busca de Claridade. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1960. PAULI, E. Que é Pensar (Teoria Fundamental do Conhecimento). Florianópolis, Ed. Biblioteca Superior de Cultura, 1964. PERES, N. P. Manual Prático do Espírita. São Paulo, Pensamento, 1984. SAUVAGE, M. Sócrates e a Consciência do Homem. São Paulo, Agir, 1959. XAVIER, F. C. e VIEIRA, W. Evolução em Dois Mundos, pelo Espírito André Luiz, 4. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.
São Paulo, 10/07/1988
Diálogo sobre o Conhece-te a Ti Mesmo
I
Sócrates — agora, qual será a arte pela qual poderíamos nos preocupar conosco?
Alcibíades — Isto eu ignoro.
Sócrates — Em todo o caso, estamos de acordo num ponto: não é pela arte que nos permita melhorar algo do que nos pertence, mas pela que faculte uma melhoria de nós mesmos.
Alcibíades — Tens razão.
Sócrates — Por outro lado, acaso poderíamos reconhecer a arte que aperfeiçoa os calçados, se não soubéssemos em que consiste um calçado?
Alcibíades — Impossível.
Sócrates — Ou que arte melhora os anéis, se não soubéssemos o que é um anel?
Alcibíades — Não, isto não é possível.
Sócrates — Entretanto, será fácil conhecer-se a si mesmo? E teria sido um homem ordinário aquele que colocou este preceito no templo de Pytho? Ou trata-se, pelo contrário, de uma tarefa ingrata que não está ao alcance de todos?
Alcibíades — Quanto a mim, Sócrates, julguei muitas vezes que estivesse ao alcance de todos, mas algumas vezes também que ela é muito difícil.
Sócrates — Que seja fácil ou não, Alcibíades, estamos sempre em presença do fato seguinte: somente conhecendo-nos é que podemos conhecer a maneira de nos preocupar conosco; sem isto, não o podemos.
Alcibíades — É muito justo.
Platão, Alcibíades, 128d-129
II
— Dize-me Eutidemo, estivestes alguma vez em Delfos?
— Duas vezes, por Zeus!
— Viste, então, a inscrição gravada no templo: conhece-te a ti mesmo?
— Sim, certamente.
— Esta inscrição não te despertou nenhum interesse, ou, ao contrário, notaste-a e procuraste examinar quem tu és?
— Não, por Zeus! Dado que julgava sabê-lo perfeitamente: pois teria sido difícil para eu aprender outra coisa caso me ignorasse a mim mesmo.
— Então pensas que para conhecer quem somos, basta sabermos o nosso nome, ou que, à maneira dos compradores de cavalo que não crêem conhecer o animal que querem comprar antes de haver examinado se é obediente, teimoso...
— Parece-me, de acordo com o que acabas de dizer-me, que não conhecer o próprio valor equivale a se ignorar a si mesmo.
— Os que se conhecem sabem o que lhes é útil e distinguem o que podem fazer daquilo que não podem: ora, fazendo aquilo de que são capazes, adquirem o necessário e vivem felizes; abstendo-se daquilo que está acima de suas forças não cometem faltas e evitam o mau êxito; enfim, como são mais capazes de julgar os outros homens, podem, graças ao partido que daí tiram, conquistar grandes bens e livrar-se de grandes males... Contrariamente, caem nas desgraças.
Xenofonte, Memoráveis, IV, II, 26.
Fonte: SAUVAGE, M. Sócrates e a Consciência do Homem. São Paulo, Agir, 1959.
Fonte: http://www.ceismael.com.br/filosofia/filosofia016.htm
HÁ DOENÇAS PIORES QUE AS DOENÇAS- FERNANDO PESSOA
Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta cousa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta cousa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.
TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS- FERNANDO PESSOA(ÁLVARO DE CAMPOS)
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
SÓ A NATUREZA É DIVINA-FERNANDO PESSOA(ALBERTO CAIEIRO)
Só a natureza é divina, e ela não é divina...
Se falo dela como de um ente
É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens
Que dá personalidade às cousas,
E impõe nome às cousas.
Mas as cousas não têm nome nem personalidade:
Existem, e o céu é grande a terra larga,
E o nosso coração do tamanho de um punho fechado...
Bendito seja eu por tudo quanto sei.
Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.
Se falo dela como de um ente
É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens
Que dá personalidade às cousas,
E impõe nome às cousas.
Mas as cousas não têm nome nem personalidade:
Existem, e o céu é grande a terra larga,
E o nosso coração do tamanho de um punho fechado...
Bendito seja eu por tudo quanto sei.
Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.
SÍMBOLOS- FERNANDO PESSOA
Símbolos? Estou farto de símbolos...
Mas dizem-me que tudo é símbolo,
Todos me dizem nada.
Quais símbolos? Sonhos. —
Que o sol seja um símbolo, está bem...
Que a lua seja um símbolo, está bem...
Que a terra seja um símbolo, está bem...
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,
E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas,
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes,
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra...
Bem, vá, que tudo isso seja símbolo...
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando-se
O sol entre farrapos finos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde se demorava outrora com o namorado que a deixou?
Símbolos? Não quero símbolos...
Queria — pobre figura de miséria e desamparo! —
Que o namorado voltasse para a costureira.
Mas dizem-me que tudo é símbolo,
Todos me dizem nada.
Quais símbolos? Sonhos. —
Que o sol seja um símbolo, está bem...
Que a lua seja um símbolo, está bem...
Que a terra seja um símbolo, está bem...
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,
E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas,
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes,
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra...
Bem, vá, que tudo isso seja símbolo...
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando-se
O sol entre farrapos finos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde se demorava outrora com o namorado que a deixou?
Símbolos? Não quero símbolos...
Queria — pobre figura de miséria e desamparo! —
Que o namorado voltasse para a costureira.
NAVEGAR É PRECISO- FERNANDO PESSOA
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
DO MITO AOS SOFISTAS
DO MITO AOS SOFISTAS
Gustavo Bertoche
gusbertoche@gmail.com
Mito e filosofia
Para compreender o processo intelectual que resulta na filosofia
contemporânea é necessário conhecer a origem da filosofia.
O contexto histórico do surgimento da filosofia é a Grécia do século
VI a.C. Naquele tempo, as cidades gregas conheceram um período
de expansão econômica, militar e geográfica. Foram fundadas
inúmeras colônias gregas na Europa e na Ásia Menor.
Até o século VI a.C., o contexto cultural do homem grego era dado
pelas grandes narrativas míticas e poéticas de Homero, nas quais
deuses e homens interagiam em confrontos e amores. Embora a
idéia da interação de homens com deuses seja estranha a nós, que
vivemos na cultura cristã, na época chamada homérica isso era
muito normal. A explicação é que os gregos tinham então uma
concepção naturalista a respeito de todas as coisas do mundo; tanto
os homens quanto os deuses eram seres naturais e, portanto, podiam
relacionar-se. (Só para lembrar, a concepção cristã é diferente:
pressupõe um Deus que cria a natureza, mas não faz parte dela).
Talvez muitos de vocês pensem que a mitologia grega seja parte da
filosofia. Essa é uma idéia bem difundida, mas que está errada. Para
entender o porquê, é preciso compreender como o mundo grego das
narrativas homéricas transformou-se no mundo grego da filosofia.
A partir da expansão grega, alguns fenômenos intelectuais
começaram a acontecer. Nas cidades, instituiu-se a ágora, que era a
praça pública onde os cidadãos encontravam-se para conversar,
fazer política e fechar negócios. No campo político, surgem as
primeiras legislações. Na arte, aparece o teatro.
Nas colônias gregas, os homens tinham contato com viajantes de
várias partes do mundo conhecido. Assim, muitos gregos puderam
conhecer a matemática, a astronomia, a geometria. E alguns desses
gregos começaram a investigar a natureza. Natureza, aqui, não
significa mato, bichinho, floresta: significa a totalidade das coisas
físicas. Aliás, a palavra física vem do grego phisis, que significa
exatamente natureza (no sentido bem amplo a que nos referimos).
Mas o que estes primeiros físicos buscavam? Inicialmente, duas
coisas: em primeiro lugar, saber a constituição fundamental das
coisas da natureza; em segundo lugar, saber como a natureza veio a
ser o que é ou, em outras palavras, como o universo, o cosmo,
surgiu.
O ponto de vista tradicional sobre o surgimento da natureza antes
desses primeiros físicos era mítico; por isso, eles fizeram uma
verdadeira revolução quando começaram a procurar as respostas
para suas questões não nos mitos, mas naquilo que podiam conhecer
a partir da sua própria experiência.
Essa foi a grande revolução da filosofia no século VI a.C.: os
primeiros físicos (que eram simultaneamente os primeiros
filósofos , ou, como é comum chamá-los, os filósofos pré-socráticos)
recusaram os mitos na busca pela explicação a respeito
do surgimento e da constituição da natureza. Eles preferiram confiar
em sua razão. Por isso, podemos afirmar que a filosofia e a ciência
são a tentativa do ser humano de rejeitar o mito. O mito não é uma
parte da filosofia; pode-se dizer mesmo que a filosofia faz-se contra
o mito, que a filosofia é uma recusa do mito.
Filósofos pré-socráticos
Falei no parágrafo acima a respeito de filósofos pré-socráticos .
Provavelmente muitos alunos já sabem que os filósofos présocráticos
foram aqueles filósofos que nasceram antes de Sócrates.
Mas isso não basta. É necessário saber minimamente quem foi
Sócrates e o motivo pelo qual foi tão importante que criou uma
divisão na filosofia: antes de Sócrates / depois de Sócrates.
Eu já disse que os primeiros filósofos (entre o século VI e V a.C.)
investigavam dois problemas a respeito da natureza: em primeiro
lugar, investigavam a constituição fundamental das coisas; em
segundo lugar, investigavam como a natureza havia surgido.
Sócrates (que viveu no século V, que é considerado o século de ouro
da Grécia e, especialmente, de Atenas, sua cidade) é um filósofo
muito importante porque ele percebeu que, antes de investigar a
natureza, era necessário investigar o próprio ser humano afinal, a
natureza só é investigada porque há alguém para investigá-la, e
parece sensato estudar este alguém antes de partir para a
investigação das coisas externas.
A maior preocupação de Sócrates era, de fato, mostrar que o autoconhecimento
é o que há de mais importante na vida de uma pessoa.
E o primeiro conhecimento deve ser a consciência da própria
ignorância. É por isso que Sócrates profere sua mais célebre frase:
só sei que nada sei . Reconhecendo sua falta de sabedoria, Sócrates
podia dedicar-se a tentar obtê-la; e o desejo de obter a sabedoria que
reconhece não possuir faz dele, paradoxalmente, o homem mais
sábio.1
A filosofia posterior a Sócrates, incluindo a filosofia praticada em
nosso tempo, é socrática porque, à semelhança do filósofo de
Atenas, não se contenta em investigar as coisas como elas são
(como faziam os filósofos antes dele, os pré-socráticos ), mas
procura compreender como nós entendemos as coisas do modo que
as entendemos. Além disso, Sócrates foi um dos primeiros a
compreender a importância da discussão quando se pretende chegar
à verdade e toda a filosofia subseqüente aproveitará o método
dialético na busca pelo conhecimento. A partir de Sócrates, fica
claro que o conhecimento filosófico não é produto do acordo, mas
da polêmica dialogada entre iguais.
Os sofistas
Referi-me ao método dialético no parágrafo acima. Para poder
explicar o que é isso, é necessário antes apresentar um conjunto de
sábios que participava da vida de Atenas e de várias outras cidades
na época de Sócrates: os sofistas. Eu disse conjunto de sábios ,
mas essa expressão pode ser duplamente enganadora. Em primeiro
lugar, não era um verdadeiro conjunto, pois os sofistas eram homens
bem diferentes entre si, e seus ensinamentos não eram semelhantes.
Muitas vezes, aliás, eles eram adversários uns dos outros. Em
segundo lugar, muitos não considerariam os sofistas como sábios,
1 Leia mais a respeito em O Sentido da Filosofia, disponível online em:
pois os filósofos da Antiguidade tinham a tendência de considerar os
sofistas como enganadores e manipuladores.
Por que, então, eu afirmei que eles eram um conjunto de sábios ?
Vamos ver primeiro em que sentido os sofistas podem ser
considerados sábios.
Os sofistas eram homens oriundos de várias cidades e colônias
gregas que viviam viajando de pólis em pólis oferecendo o uso e o
ensino de suas habilidades. As habilidades dos sofistas eram
relacionadas à capacidade de convencer. Os sofistas, portanto,
ofereciam seus serviços na defesa e na acusação em julgamentos,
sendo os primeiros advogados profissionais; e, com a fama que
eventualmente ganhavam, podiam cobrar (bem caro, aliás) para
ensinar a jovens a arte de vencer disputas argumentativas,
transformando-se assim nos primeiros professores de retórica.
Lembre-se de que nas democracias gregas a capacidade de discursar
e de convencer era considerada o melhor meio de ascender social e
politicamente.
Era devido à habilidade de defender igualmente bem duas teses
diferentes e mesmo opostas, independentemente de qual fosse a tese
verdadeira e de qual fosse a falsa, que os sofistas foram desprezados
pelos filósofos que, ao contrário dos sofistas, procuravam
argumentos para encontrar a verdade e escapar ao erro. Por outro
lado, justamente a facilidade de defender qualquer ponto de vista
fazia com que os sofistas fossem muitas vezes considerados sábios,
e é por isso que eu afirmei acima que eles o eram.
Finalmente, os sofistas podem ser estudados como um conjunto
porque todos eles praticavam, embora cada um a seu modo, a
argumentação como forma de vencer uma disputa, não importando
onde estivesse a verdade. Aliás, a própria noção de verdade era
relativa à força da argumentação: em última análise, a posição mais
fortemente defendida seria a posição verdadeira. Eis outro motivo
que levava os filósofos, que amavam a verdade (compreendida
como algo que é independente da força dos argumentos, mas que
existe independente da vontade das pessoas), a detestarem os
sofistas.
A retórica e a dialética
Agora finalmente podemos compreender o que é o método dialético,
questão que levantamos mais acima. Dialética é um método
filosófico: é a busca pela verdade por meio da análise cuidadosa dos
argumentos. A dialética não era praticada pelos sofistas, pois a
dialética procura pela verdade, e os sofistas apenas defendem uma
posição pré-determinada.
Os sofistas não usavam a dialética: usavam a retórica. A retórica é o
bom uso dos argumentos para defender uma posição. Esses
argumentos, inclusive, podem ser maus argumentos, podem ser
argumentos que não têm valor lógico mas que têm capacidade de
convencimento; a esses argumentos enganadores, aparentemente
sólidos mas na verdade falhos, os filósofos passaram a chamar
sofismas . Isso vem bem a calhar, pois os sofistas não tinham
pudores de usar argumentos falhos, desde que isso os ajudasse a
defender seu objetivo.
Percebemos então que dialética e retórica são dois tipos de
utilização da argumentação. A dialética é o tipo de argumentação
filosófica, e visa o conhecimento e a verdade. A retórica é o tipo de
argumentação dos sofistas (e, por conseqüência, dos advogados), e
visa o convencimento e a vitória no debate. Aliás, a retórica é
muitas vezes considerada uma arte: a arte de convencer.
Podemos dizer então que o que define a filosofia, desde seu início
no século VII a.C. com os filósofos pré-socráticos, é a busca pelo
conhecimento uma busca que não é empreendida a partir de mitos
nem é realizada com o objetivo simplesmente de convencer. O
conhecimento almejado pela filosofia é o conhecimento que o ser
humano pode alcançar por meio de seus próprios esforços racionais.
O conhecimento verdadeiro atingido pela razão humana é o objetivo
da filosofia desde a Grécia antiga; contudo, os problemas filosóficos
sofreram inúmeras e enormes modificações desde então, os métodos
disponíveis hoje são muito mais poderosos do que eram no tempo
de Sócrates, e as respostas são bem mais complexas do que aquelas
dadas na Antiguidade. Ainda assim, a filosofia segue, durante a
história, um fio condutor contínuo. Não seria possível compreender
o que é a filosofia hoje e o que os filósofos de hoje fazem sem
entender o que os primeiros filósofos faziam na origem da filosofia.
28/08/07
Gustavo Bertoche
gusbertoche@gmail.com
Mito e filosofia
Para compreender o processo intelectual que resulta na filosofia
contemporânea é necessário conhecer a origem da filosofia.
O contexto histórico do surgimento da filosofia é a Grécia do século
VI a.C. Naquele tempo, as cidades gregas conheceram um período
de expansão econômica, militar e geográfica. Foram fundadas
inúmeras colônias gregas na Europa e na Ásia Menor.
Até o século VI a.C., o contexto cultural do homem grego era dado
pelas grandes narrativas míticas e poéticas de Homero, nas quais
deuses e homens interagiam em confrontos e amores. Embora a
idéia da interação de homens com deuses seja estranha a nós, que
vivemos na cultura cristã, na época chamada homérica isso era
muito normal. A explicação é que os gregos tinham então uma
concepção naturalista a respeito de todas as coisas do mundo; tanto
os homens quanto os deuses eram seres naturais e, portanto, podiam
relacionar-se. (Só para lembrar, a concepção cristã é diferente:
pressupõe um Deus que cria a natureza, mas não faz parte dela).
Talvez muitos de vocês pensem que a mitologia grega seja parte da
filosofia. Essa é uma idéia bem difundida, mas que está errada. Para
entender o porquê, é preciso compreender como o mundo grego das
narrativas homéricas transformou-se no mundo grego da filosofia.
A partir da expansão grega, alguns fenômenos intelectuais
começaram a acontecer. Nas cidades, instituiu-se a ágora, que era a
praça pública onde os cidadãos encontravam-se para conversar,
fazer política e fechar negócios. No campo político, surgem as
primeiras legislações. Na arte, aparece o teatro.
Nas colônias gregas, os homens tinham contato com viajantes de
várias partes do mundo conhecido. Assim, muitos gregos puderam
conhecer a matemática, a astronomia, a geometria. E alguns desses
gregos começaram a investigar a natureza. Natureza, aqui, não
significa mato, bichinho, floresta: significa a totalidade das coisas
físicas. Aliás, a palavra física vem do grego phisis, que significa
exatamente natureza (no sentido bem amplo a que nos referimos).
Mas o que estes primeiros físicos buscavam? Inicialmente, duas
coisas: em primeiro lugar, saber a constituição fundamental das
coisas da natureza; em segundo lugar, saber como a natureza veio a
ser o que é ou, em outras palavras, como o universo, o cosmo,
surgiu.
O ponto de vista tradicional sobre o surgimento da natureza antes
desses primeiros físicos era mítico; por isso, eles fizeram uma
verdadeira revolução quando começaram a procurar as respostas
para suas questões não nos mitos, mas naquilo que podiam conhecer
a partir da sua própria experiência.
Essa foi a grande revolução da filosofia no século VI a.C.: os
primeiros físicos (que eram simultaneamente os primeiros
filósofos , ou, como é comum chamá-los, os filósofos pré-socráticos)
recusaram os mitos na busca pela explicação a respeito
do surgimento e da constituição da natureza. Eles preferiram confiar
em sua razão. Por isso, podemos afirmar que a filosofia e a ciência
são a tentativa do ser humano de rejeitar o mito. O mito não é uma
parte da filosofia; pode-se dizer mesmo que a filosofia faz-se contra
o mito, que a filosofia é uma recusa do mito.
Filósofos pré-socráticos
Falei no parágrafo acima a respeito de filósofos pré-socráticos .
Provavelmente muitos alunos já sabem que os filósofos présocráticos
foram aqueles filósofos que nasceram antes de Sócrates.
Mas isso não basta. É necessário saber minimamente quem foi
Sócrates e o motivo pelo qual foi tão importante que criou uma
divisão na filosofia: antes de Sócrates / depois de Sócrates.
Eu já disse que os primeiros filósofos (entre o século VI e V a.C.)
investigavam dois problemas a respeito da natureza: em primeiro
lugar, investigavam a constituição fundamental das coisas; em
segundo lugar, investigavam como a natureza havia surgido.
Sócrates (que viveu no século V, que é considerado o século de ouro
da Grécia e, especialmente, de Atenas, sua cidade) é um filósofo
muito importante porque ele percebeu que, antes de investigar a
natureza, era necessário investigar o próprio ser humano afinal, a
natureza só é investigada porque há alguém para investigá-la, e
parece sensato estudar este alguém antes de partir para a
investigação das coisas externas.
A maior preocupação de Sócrates era, de fato, mostrar que o autoconhecimento
é o que há de mais importante na vida de uma pessoa.
E o primeiro conhecimento deve ser a consciência da própria
ignorância. É por isso que Sócrates profere sua mais célebre frase:
só sei que nada sei . Reconhecendo sua falta de sabedoria, Sócrates
podia dedicar-se a tentar obtê-la; e o desejo de obter a sabedoria que
reconhece não possuir faz dele, paradoxalmente, o homem mais
sábio.1
A filosofia posterior a Sócrates, incluindo a filosofia praticada em
nosso tempo, é socrática porque, à semelhança do filósofo de
Atenas, não se contenta em investigar as coisas como elas são
(como faziam os filósofos antes dele, os pré-socráticos ), mas
procura compreender como nós entendemos as coisas do modo que
as entendemos. Além disso, Sócrates foi um dos primeiros a
compreender a importância da discussão quando se pretende chegar
à verdade e toda a filosofia subseqüente aproveitará o método
dialético na busca pelo conhecimento. A partir de Sócrates, fica
claro que o conhecimento filosófico não é produto do acordo, mas
da polêmica dialogada entre iguais.
Os sofistas
Referi-me ao método dialético no parágrafo acima. Para poder
explicar o que é isso, é necessário antes apresentar um conjunto de
sábios que participava da vida de Atenas e de várias outras cidades
na época de Sócrates: os sofistas. Eu disse conjunto de sábios ,
mas essa expressão pode ser duplamente enganadora. Em primeiro
lugar, não era um verdadeiro conjunto, pois os sofistas eram homens
bem diferentes entre si, e seus ensinamentos não eram semelhantes.
Muitas vezes, aliás, eles eram adversários uns dos outros. Em
segundo lugar, muitos não considerariam os sofistas como sábios,
1 Leia mais a respeito em O Sentido da Filosofia, disponível online em:
pois os filósofos da Antiguidade tinham a tendência de considerar os
sofistas como enganadores e manipuladores.
Por que, então, eu afirmei que eles eram um conjunto de sábios ?
Vamos ver primeiro em que sentido os sofistas podem ser
considerados sábios.
Os sofistas eram homens oriundos de várias cidades e colônias
gregas que viviam viajando de pólis em pólis oferecendo o uso e o
ensino de suas habilidades. As habilidades dos sofistas eram
relacionadas à capacidade de convencer. Os sofistas, portanto,
ofereciam seus serviços na defesa e na acusação em julgamentos,
sendo os primeiros advogados profissionais; e, com a fama que
eventualmente ganhavam, podiam cobrar (bem caro, aliás) para
ensinar a jovens a arte de vencer disputas argumentativas,
transformando-se assim nos primeiros professores de retórica.
Lembre-se de que nas democracias gregas a capacidade de discursar
e de convencer era considerada o melhor meio de ascender social e
politicamente.
Era devido à habilidade de defender igualmente bem duas teses
diferentes e mesmo opostas, independentemente de qual fosse a tese
verdadeira e de qual fosse a falsa, que os sofistas foram desprezados
pelos filósofos que, ao contrário dos sofistas, procuravam
argumentos para encontrar a verdade e escapar ao erro. Por outro
lado, justamente a facilidade de defender qualquer ponto de vista
fazia com que os sofistas fossem muitas vezes considerados sábios,
e é por isso que eu afirmei acima que eles o eram.
Finalmente, os sofistas podem ser estudados como um conjunto
porque todos eles praticavam, embora cada um a seu modo, a
argumentação como forma de vencer uma disputa, não importando
onde estivesse a verdade. Aliás, a própria noção de verdade era
relativa à força da argumentação: em última análise, a posição mais
fortemente defendida seria a posição verdadeira. Eis outro motivo
que levava os filósofos, que amavam a verdade (compreendida
como algo que é independente da força dos argumentos, mas que
existe independente da vontade das pessoas), a detestarem os
sofistas.
A retórica e a dialética
Agora finalmente podemos compreender o que é o método dialético,
questão que levantamos mais acima. Dialética é um método
filosófico: é a busca pela verdade por meio da análise cuidadosa dos
argumentos. A dialética não era praticada pelos sofistas, pois a
dialética procura pela verdade, e os sofistas apenas defendem uma
posição pré-determinada.
Os sofistas não usavam a dialética: usavam a retórica. A retórica é o
bom uso dos argumentos para defender uma posição. Esses
argumentos, inclusive, podem ser maus argumentos, podem ser
argumentos que não têm valor lógico mas que têm capacidade de
convencimento; a esses argumentos enganadores, aparentemente
sólidos mas na verdade falhos, os filósofos passaram a chamar
sofismas . Isso vem bem a calhar, pois os sofistas não tinham
pudores de usar argumentos falhos, desde que isso os ajudasse a
defender seu objetivo.
Percebemos então que dialética e retórica são dois tipos de
utilização da argumentação. A dialética é o tipo de argumentação
filosófica, e visa o conhecimento e a verdade. A retórica é o tipo de
argumentação dos sofistas (e, por conseqüência, dos advogados), e
visa o convencimento e a vitória no debate. Aliás, a retórica é
muitas vezes considerada uma arte: a arte de convencer.
Podemos dizer então que o que define a filosofia, desde seu início
no século VII a.C. com os filósofos pré-socráticos, é a busca pelo
conhecimento uma busca que não é empreendida a partir de mitos
nem é realizada com o objetivo simplesmente de convencer. O
conhecimento almejado pela filosofia é o conhecimento que o ser
humano pode alcançar por meio de seus próprios esforços racionais.
O conhecimento verdadeiro atingido pela razão humana é o objetivo
da filosofia desde a Grécia antiga; contudo, os problemas filosóficos
sofreram inúmeras e enormes modificações desde então, os métodos
disponíveis hoje são muito mais poderosos do que eram no tempo
de Sócrates, e as respostas são bem mais complexas do que aquelas
dadas na Antiguidade. Ainda assim, a filosofia segue, durante a
história, um fio condutor contínuo. Não seria possível compreender
o que é a filosofia hoje e o que os filósofos de hoje fazem sem
entender o que os primeiros filósofos faziam na origem da filosofia.
28/08/07
TEXTO DE MÁRCIA TIBURI SOBRE A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA
Essa tal de filosofia
Saiba o que é filosofia e descubra como ela pode ajudá-lo a viver melhor e com mais sabedoria
por Márcia Tiburi
“O que é filosofia?” é uma das perguntas mais formuladas na atualidade. A primeira resposta que vem à mente para explicar a intensidade e freqüência com que essa pergunta é colocada é a seguinte: se estamos em tempos de crise em campos tão diferentes quanto a ciência, a política, a arte e a religião, a filosofia nos faz uma nova proposta, não de nos livrar da crise, mas de compreendê- la. Ela se apresenta como uma promessa de lucidez no meio de toda a confusão que nos cerca. Mas de onde vem a lucidez prometida?
O que a filosofia nos oferece é o próprio sentido do pensamento como capacidade humana que pode nos mostrar outras dimensões da vida, nos oferecer novas visões sobre o que existe. Mas isso porque, em vez de nos prometer respostas, a filosofia nos ensina a perguntar. A filosofia investiga o sentido das múltiplas experiências, vivências e modificações de nossa época. Com isso, ela pode ajudar a entender, com a urgência que conhecemos, as ansiedades coletivas e nossas próprias angústias.
Perguntar para quê?
A pergunta pela essência (“o que é?”) se acompanha de outra: qual a função da filosofia nos dias de hoje? Ou seja, qual a função prática de algo que nos acostumamos a ver como apenas teórico?
A filosofia pode ser, acima de tudo, um lugar de exercício do imenso desejo de saber sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre tudo o que experimentamos. O sentido das coisas é um problema que enfrentamos em nosso dia-a-dia mais comum. Mas o sentido não está pronto e acabado, ele precisa ser construído. O pensamento é a atividade de construção do sentido e, além disso, pensar também é um prazer muito específico.
O exercício da dúvida
Há uma curiosidade aqui de início, pois “o que é filosofia?” é uma pergunta que também pode ser uma resposta. Pois a filosofia é um processo de perguntar sobre todas as coisas – e que se inicia, desde os gregos, logo indagando sobre ela mesma. Perguntar sobre o que é filosofia é o primeiro passo para a descoberta essencial da própria filosofia: pois aquele que pergunta também é capaz de elaborar uma resposta. E assim é possível entender como funciona o pensamento filosófico.
Já entramos na filosofia quando perguntamos “o que é filosofia?”. A melhor imagem para ilustrar esse caminho é a do labirinto. Claro que podemos ir embora rapidinho, assustados, cansados, chateados com uma questão que pode nos soar banal. Ou até pensando que esse labirinto vai dar muito trabalho e que podemos não encontrar mais a saída. Podemos também circular e continuar abrindo portas, encontrando caminhos. É certo que, ao entrar nele, a cada possibilidade ficaremos em dúvida sobre que caminho seguir. Direita, esquerda, em frente, um passo atrás? O processo de pensamento a que chamamos filosofia é, sobretudo, um exercício constante de dúvida. E toda dúvida exercita-se pela pergunta que se desdobra em muitas outras e para as quais não há uma única resposta.
Por que não há uma única resposta? Veja, aí já apareceu outra pergunta como uma nova possibilidade no caminho do labirinto. Não apenas nosso pensamento é incansável e criativo e se diverte em seu próprio jogo, mas também existem perspectivas diferentes de todos os que perguntam e também da época em que perguntam: e tudo isso obriga a muitas interpretações. O que eu pergunto hoje, aqui e agora, ou você ou ele, é diferente em função da realidade cultural, social e histórica de cada um e exige, por isso, revisão das respostas. Mas é certo também que existem respostas interligadas e, muitas vezes, respostas até iguais. Tudo isso faz parte do grande labirinto a que chamamos pensamento. Não é à toa que nas sociedades antigas o labirinto era uma imagem do autoconhecimento. Como num labirinto, o pensamento nos leva de volta a nós mesmos.
Para muitos que desejam chegar direto à resposta, sem passar pelo processo, isso será mesmo assustador. Os que desistem espantados sempre escolhem alguma crença: a fé no trabalho, a fé religiosa, a fé no sistema financeiro, no amor, na família. A filosofia não é, necessariamente, incompatível com a multiplicidade da fé, mas ela certamente oferece espaço para a dúvida em nosso cotidiano. Ela nos ensina a tomar cuidado com as certezas. É ela também que fornece bases para a nossa vida mais comum, para compreender decisões, omissões, posturas, imposturas, o que entendemos como verdadeiro e o que percebemos como falso.Depois ela nos ensina a optar por algumas certezas. Sem essa dúvida inicial não somos capazes de firmar nenhuma certeza que nos dê paz de espírito.
Eu penso, nós pensamos
A filosofia precisa ser o exercício de cada um. Nossas ações dependem de conceitos e idéias, de definições e entendimentos. Se não os temos, ou não os compreendemos bem, acabaremos agindo com idéias, conceitos e definições que não são nossos. Olharemos o mundo com lentes emprestadas. Por usar óculos de outros é que nosso foco muitas vezes está errado, pois é impossível ver apenas pela perspectiva de outro.
Mas precisamos ouvir os outros. É preciso saber, portanto, que esse momento individual se complementa pela conversação (que é outra das maiores e mais importantes dimensões da vida de cada um). Se eu posso pensar sozinho, devo pensar também junto.Tudo o que eu penso, ainda que seja meu, é marcado pelo mundo onde nasci, pela língua e pela cultura que recebi. Não viemos do nada. Somos totalmente influenciados pelo que vemos e sentimos quando elaboramos nossos pensamentos. A filosofia melhora a forma da relação entre pessoas que se dedicam a conversar. É dessa troca (pensamento e conversa) que ela surge.
A conseqüência do processo do pensamento foi definida ainda nos primórdios da filosofia nas reflexões de Sócrates, o principal personagem dos diálogos escritos por Platão. Ele batizou de “maiêutica” o método de perguntar e responder e afirmou que por meio disso se chegava ao conhecimento de si mesmo.Mas para conhecer a si mesmo é preciso ter o outro.O outro sempre nos põe em dúvida. A filosofia nos ajuda, nesse caso, a nos descobrirmos, mas apenas porque descobrimos antes o outro que nos ouve, que nos olha e que (literalmente) “troca idéias” conosco. O caminho do autoconhecimento não é a meditação solitária, sem contato com outras idéias diferentes. É abrir-se ao outro, seja outra pessoa, seja o mundo lá fora. Pois a verdade sobre si mesmo se encontra naquilo que se contempla.
Filosofia é encontro
Quando pensamos juntos, a filosofia assume sua característica de encontro e se torna uma forma de ética e política. Não é por menos que o surgimento da filosofia na Grécia, por volta do século 5 a.C., é simultâneo ao nascimento da democracia, ou seja, uma forma de política que é consciente da relação entre cada cidadão e a sociedade. A filosofia clássica sempre trabalhou essa dimensão por meio das idéias de indivíduo versus totalidade, do que cada um é e do que a vida exige que cada um seja.
Aquilo que chamamos de ética, por sua vez, surgiu naquele tempo, logo depois do primeiro questionamento da filosofia sobre a natureza e o cosmo, quando os pensadores se voltaram para o humano e tentaram entender seu modo de ser dentro do cosmo e juntos uns dos outros. Ética e política estavam juntas com a filosofia, dependendo dela no trabalho da dúvida exigido na busca do conhecimento. Com isso os filósofos antigos deixavam claro que toda teoria envolvia uma prática, que os pensamentos moviam o mundo, que as idéias sustentavam posturas, que os conceitos organizavam formas de vida. A idéia de prática significava um modo de vida que orientava a pergunta “o que se deve fazer?” (que até hoje nos angustia em todas as horas da nossa vida).
E agora? A filosofia precisa ser, para todos nós, mais que mera teoria construída por filósofos que hoje habitam as estantes da biblioteca, deve ser mais que bela prosa ou belo pensamento. Só será verdadeira a filosofia que estimular a reflexão e nos orientar sobre o que estamos fazendo conosco, com o mundo, com nossa racionalidade e com nossos afetos.
Márcia Tiburi é filósofa, escritora e artista plástica. Integra o programa Saia Justa, no canal de TV a cabo GNT.
Saiba o que é filosofia e descubra como ela pode ajudá-lo a viver melhor e com mais sabedoria
por Márcia Tiburi
“O que é filosofia?” é uma das perguntas mais formuladas na atualidade. A primeira resposta que vem à mente para explicar a intensidade e freqüência com que essa pergunta é colocada é a seguinte: se estamos em tempos de crise em campos tão diferentes quanto a ciência, a política, a arte e a religião, a filosofia nos faz uma nova proposta, não de nos livrar da crise, mas de compreendê- la. Ela se apresenta como uma promessa de lucidez no meio de toda a confusão que nos cerca. Mas de onde vem a lucidez prometida?
O que a filosofia nos oferece é o próprio sentido do pensamento como capacidade humana que pode nos mostrar outras dimensões da vida, nos oferecer novas visões sobre o que existe. Mas isso porque, em vez de nos prometer respostas, a filosofia nos ensina a perguntar. A filosofia investiga o sentido das múltiplas experiências, vivências e modificações de nossa época. Com isso, ela pode ajudar a entender, com a urgência que conhecemos, as ansiedades coletivas e nossas próprias angústias.
Perguntar para quê?
A pergunta pela essência (“o que é?”) se acompanha de outra: qual a função da filosofia nos dias de hoje? Ou seja, qual a função prática de algo que nos acostumamos a ver como apenas teórico?
A filosofia pode ser, acima de tudo, um lugar de exercício do imenso desejo de saber sobre a vida, sobre nós mesmos, sobre tudo o que experimentamos. O sentido das coisas é um problema que enfrentamos em nosso dia-a-dia mais comum. Mas o sentido não está pronto e acabado, ele precisa ser construído. O pensamento é a atividade de construção do sentido e, além disso, pensar também é um prazer muito específico.
O exercício da dúvida
Há uma curiosidade aqui de início, pois “o que é filosofia?” é uma pergunta que também pode ser uma resposta. Pois a filosofia é um processo de perguntar sobre todas as coisas – e que se inicia, desde os gregos, logo indagando sobre ela mesma. Perguntar sobre o que é filosofia é o primeiro passo para a descoberta essencial da própria filosofia: pois aquele que pergunta também é capaz de elaborar uma resposta. E assim é possível entender como funciona o pensamento filosófico.
Já entramos na filosofia quando perguntamos “o que é filosofia?”. A melhor imagem para ilustrar esse caminho é a do labirinto. Claro que podemos ir embora rapidinho, assustados, cansados, chateados com uma questão que pode nos soar banal. Ou até pensando que esse labirinto vai dar muito trabalho e que podemos não encontrar mais a saída. Podemos também circular e continuar abrindo portas, encontrando caminhos. É certo que, ao entrar nele, a cada possibilidade ficaremos em dúvida sobre que caminho seguir. Direita, esquerda, em frente, um passo atrás? O processo de pensamento a que chamamos filosofia é, sobretudo, um exercício constante de dúvida. E toda dúvida exercita-se pela pergunta que se desdobra em muitas outras e para as quais não há uma única resposta.
Por que não há uma única resposta? Veja, aí já apareceu outra pergunta como uma nova possibilidade no caminho do labirinto. Não apenas nosso pensamento é incansável e criativo e se diverte em seu próprio jogo, mas também existem perspectivas diferentes de todos os que perguntam e também da época em que perguntam: e tudo isso obriga a muitas interpretações. O que eu pergunto hoje, aqui e agora, ou você ou ele, é diferente em função da realidade cultural, social e histórica de cada um e exige, por isso, revisão das respostas. Mas é certo também que existem respostas interligadas e, muitas vezes, respostas até iguais. Tudo isso faz parte do grande labirinto a que chamamos pensamento. Não é à toa que nas sociedades antigas o labirinto era uma imagem do autoconhecimento. Como num labirinto, o pensamento nos leva de volta a nós mesmos.
Para muitos que desejam chegar direto à resposta, sem passar pelo processo, isso será mesmo assustador. Os que desistem espantados sempre escolhem alguma crença: a fé no trabalho, a fé religiosa, a fé no sistema financeiro, no amor, na família. A filosofia não é, necessariamente, incompatível com a multiplicidade da fé, mas ela certamente oferece espaço para a dúvida em nosso cotidiano. Ela nos ensina a tomar cuidado com as certezas. É ela também que fornece bases para a nossa vida mais comum, para compreender decisões, omissões, posturas, imposturas, o que entendemos como verdadeiro e o que percebemos como falso.Depois ela nos ensina a optar por algumas certezas. Sem essa dúvida inicial não somos capazes de firmar nenhuma certeza que nos dê paz de espírito.
Eu penso, nós pensamos
A filosofia precisa ser o exercício de cada um. Nossas ações dependem de conceitos e idéias, de definições e entendimentos. Se não os temos, ou não os compreendemos bem, acabaremos agindo com idéias, conceitos e definições que não são nossos. Olharemos o mundo com lentes emprestadas. Por usar óculos de outros é que nosso foco muitas vezes está errado, pois é impossível ver apenas pela perspectiva de outro.
Mas precisamos ouvir os outros. É preciso saber, portanto, que esse momento individual se complementa pela conversação (que é outra das maiores e mais importantes dimensões da vida de cada um). Se eu posso pensar sozinho, devo pensar também junto.Tudo o que eu penso, ainda que seja meu, é marcado pelo mundo onde nasci, pela língua e pela cultura que recebi. Não viemos do nada. Somos totalmente influenciados pelo que vemos e sentimos quando elaboramos nossos pensamentos. A filosofia melhora a forma da relação entre pessoas que se dedicam a conversar. É dessa troca (pensamento e conversa) que ela surge.
A conseqüência do processo do pensamento foi definida ainda nos primórdios da filosofia nas reflexões de Sócrates, o principal personagem dos diálogos escritos por Platão. Ele batizou de “maiêutica” o método de perguntar e responder e afirmou que por meio disso se chegava ao conhecimento de si mesmo.Mas para conhecer a si mesmo é preciso ter o outro.O outro sempre nos põe em dúvida. A filosofia nos ajuda, nesse caso, a nos descobrirmos, mas apenas porque descobrimos antes o outro que nos ouve, que nos olha e que (literalmente) “troca idéias” conosco. O caminho do autoconhecimento não é a meditação solitária, sem contato com outras idéias diferentes. É abrir-se ao outro, seja outra pessoa, seja o mundo lá fora. Pois a verdade sobre si mesmo se encontra naquilo que se contempla.
Filosofia é encontro
Quando pensamos juntos, a filosofia assume sua característica de encontro e se torna uma forma de ética e política. Não é por menos que o surgimento da filosofia na Grécia, por volta do século 5 a.C., é simultâneo ao nascimento da democracia, ou seja, uma forma de política que é consciente da relação entre cada cidadão e a sociedade. A filosofia clássica sempre trabalhou essa dimensão por meio das idéias de indivíduo versus totalidade, do que cada um é e do que a vida exige que cada um seja.
Aquilo que chamamos de ética, por sua vez, surgiu naquele tempo, logo depois do primeiro questionamento da filosofia sobre a natureza e o cosmo, quando os pensadores se voltaram para o humano e tentaram entender seu modo de ser dentro do cosmo e juntos uns dos outros. Ética e política estavam juntas com a filosofia, dependendo dela no trabalho da dúvida exigido na busca do conhecimento. Com isso os filósofos antigos deixavam claro que toda teoria envolvia uma prática, que os pensamentos moviam o mundo, que as idéias sustentavam posturas, que os conceitos organizavam formas de vida. A idéia de prática significava um modo de vida que orientava a pergunta “o que se deve fazer?” (que até hoje nos angustia em todas as horas da nossa vida).
E agora? A filosofia precisa ser, para todos nós, mais que mera teoria construída por filósofos que hoje habitam as estantes da biblioteca, deve ser mais que bela prosa ou belo pensamento. Só será verdadeira a filosofia que estimular a reflexão e nos orientar sobre o que estamos fazendo conosco, com o mundo, com nossa racionalidade e com nossos afetos.
Márcia Tiburi é filósofa, escritora e artista plástica. Integra o programa Saia Justa, no canal de TV a cabo GNT.
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